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Delírios

Verde

 

A falta
O desespero  
Respiração que cessa, absoluta, sem aflição
Sons, cheiros que transportam
E neles me agarro.
Querer tanto
Tanto querer
Saudades…
Dos gestos, dos restos
Saudades…
Saudades da água
Saudades do mar

Saudades não dos olhos, 

Saudades do olhar…

Volta

 

Tenho certeza de todas as suas mentiras

tenho certeza que tenho que acreditar nelas

quase numa utopia de Poliana

tenho certeza da grandeza que envolve suas palavras

porque são elas que mantêm viva

e me fazem levantar da cama todos os dias.

Tenho certeza que em algum momento você vai voltar

e vai precisar de mim.

Cultivando o espírito, tento controlar a ansiedade

e ter uma paciência para mim imensurável.

Por isso quero estar viva

por isso quero estar pronta

por isso continuo viva

por isso continuo aqui.

Volta inteiro

volta para mim.

Água

A água é um elemento mágico. Essa sensação de infinita proteção que ela traz desfaz todas as imagens intraquilas, relaxa punhos fechados e deixa as pernas bambas.

Banho de banheira… Água morna, vapor subindo, espuma espessa, velas coloridas por toda a volta e você ao meu lado. Aconchegado feito um bebê, você deita no meu colo e se deixa embalar. Esquecendo todas as noites, você fecha um pouco esse seus olhos exaustos e quase nas pontas dos pés, pega uma carona no rastro colorido de estrelas cadentes. Reatando pedaços de seus sonhos, sente o mundo em construção e busca, na engenharia etérea, os círculos que transformam seus pensamentos em idéias consistentes. Quase sonhando, você se deixa transportar a outros lugares, outras épocas, outros mundos e sente a sensação do me abraço, do meu carinho, do meu amor. Parece que já passamos por isso tantas vezes em outros tempos, outras vidas, que cada vez mais necessitamos estar assim para encontrarmos paz. Sem palavras porque o silêncio, em alguns momentos, é fundamental.

Só você, eu e a água…  E nesse vago cochilo acalenta, com cuidado, os seus desejos. Não negue suas fantasias por medo do futuro. As utopias só são inatingíveis por falta de fé. E por falar em fé, eu também rezo. E também beijo.Mas não rezou nem beijo em vão. Há uma hora para tudo. Assim, nesse momento, nesse exato instante eu rezo pelos seus sonhos e beijo você no fundo da sua alma. As orações são sempre atendidas.

A água morna lava o espírito e leva ralo abaixo todas as nossas frustrações.

Quentinho, gostoso, fica comigo assim. Quietinho, no meu colo. Até a água esfriar…

(Sinopse:  Sonolentos, se deitavam na banheira morna. O silêncio sempre disse mais (falou mais alto) que as palavras... Aconchegado, deitou-se no colo dela e se deixou embalar. Assim, quase que sonhando, transportado a outros lugares e épocas, eperava a água esfriar...)

EUFORIA

Sábado de verão, tempo nublado e abafado como uma estufa, estrada quase vazia na preguiça da manhã. Antes de fazer uma conversão à direita, uma olhada pelo retrovisor externo do carro…

Numa fração de segundo surge, no espelho, a imagem de um homem que corre. Corpo perfeito, lapidado pelos deuses, que se confunde com a cor da própria sunga; o cabelo cortado rente para dispersar o calor, tênis nos pés para evitar bolhas, tudo formando um quadro maravilhosamente harmônico com o fundo de árvores típicas da mata atlântica, numa cadência ritimada marcada apenas pelo som da respiração. Uma visão para ser apreciada quadro a quadro, a transformação dos passos em marcha, acelerando gradativamente até encontrar o ritmo ideal e definitivo que leva à euforia de corredor. Dizem que quanto mais se corre, mais se tem vontade de correr. Mas correr para onde? Ao Nirvana? Ao Satori? À Plenitude? Ou ao maravilhoso e interminável orgasmo?


 

AFOGADA NO OLHAR

Estou morrendo. Isto, desde o dia em que nasci. Mas em certos momentos, quando vejo meu reflexo em seus olhos, percebo que, além de ter consciência dos meus mais profundos segredos, você está me matando. E a linha que separa a vida da morte está no limite entre a íris e a pupila. Afundar lentamente no azul da sua íris, como se afogando no mar…Deixar que a gravidade exerça seu papel me levando cada vez mais para o fundo, enquanto as pequenas bolhas de ar que saem de minha boca, insistem em procurar a luz. Sem pensar que os pulmões necessitam de ar, sentir-me afundando e simplesmente sentir cessar a respiração, absoluta, sem nenhuma aflição, em direção à escuridão da pupila que, como um buraco negro, suga toda luz, toda vida, tudo ao seu redor. E deste modo apenas sumir, desaparecer, deixar de existir e, quem sabe, fazer parte de alguma coisa maior. Morrer tranqüila e finalmente conseguir as asas que sempre sonhei.

Preciso voar… e olhar lá de cima os lugares que tenho saudades sem nunca ter estado.

 

CÃES

Podia ouvir o som dos latidos se aproximando. A escuridão não permitia que pudesse vê-los mas sabia como eles eram. Ferozes, todos eram albinos, de olhos azuis. Ouvia também sua própria respiração ofegante. Os músculos de suas pernas já não respondiam. Eles  estavam cada vez mais perto. Tinha que continuar a correr, mesmo sem saber para onde. No fundo, sabia que não havia escapatória. Cansada, deixou que a exaustão a invadisse e sentou-se à espera dos cães. Até que eles chegaram. Via seu próprio medo refletido nos olhos deles.

VAGALHÃO

Podia avistar a areia logo após a arrebentação e, olhando para o outro lado podia ver a chuva fina se aproximando. O mar estava quase que prateado refletindo as nuvens acima. Sozinha no meio de tanta água, viu marolas se formando ao longe. A primeira foi como um acalento, a segunda, um pouco mais forte, levantou-a quase que numa brincadeira. Houve uma pausa. Uma calmaria que precede a tempestade. Quando se deu conta, uma parede de água vinha em sua direção. Não havia porque temer, era uma marola jovem e apesar de enorme, não iria arrebentar. E ela subiu com a marola. Alto, mais alto e mais alto ainda. Subitamente, a marola passou e ao invés de descer suavemente com a água, ela começou a cair. Uma queda que parecia estar em câmera lenta, interminável. A sensação de estar numa montanha russa, o medo, o pavor. Não havia nada em baixo. Nem o mar (pra onde tinha ido a água?), nem terra, nem nada. Apenas um vapor gelado que subia, ou parecia subir, já que era ela que estava caindo.

 

LABIRINTO

Deixe-me observá-lo por um instante. Mas que seja de maneira adequada. Dos pés à cabeça para que possa guardar na memória cada detalhe, cada particularidade. Deixe-me também tocá-lo, de maneira leve, apenas com as pontas dos dedos para que eu possa saber a consistência dos seus pelos e a maciez de sua pele. Deixe que minhas mãos possam percorrê-lo para que eu possa descobrir a definição de cada músculo. Não, não se mexa. Permita que esse momento não termine. Feche os olhos e esqueça minha presença. Permita-me não estar aqui. O que sabemos um do outro é tão pouco e ao mesmo tempo é tanto que a memória se funde e muitas vezes somos incapazes de discernir até onde vai a realidade. O que pretendo é que esse momento seja eterno, mesmo que apenas na minha memória. É como se eu pudesse ter você só para mim. Tocando e sentindo, me apossasse por completo de você e desse momento tão mágico.

Não somos donos nem dos nossos próprios sentimentos, somente do agora e esse agora, no próximo segundo já terá passado.

 Assim é. Presa em um labirinto, onde a única saída é embrenhar-se mais e mais. Sem que haja fios para servir como guia. Não, eu não quero encontrar. Desejo intensamente é  perder. Perder  a consciência, perder a razão, me perder. E pela frente que eu o possa encontrar como a um  Minotauro. Que haja uma batalha. daquelas com lanças e outras armas. Que seja dura e pesarosa e mesmo que haja mortes, que os deuses permitam a nossa própria ressurreição.

 

FUSÃO

Sem nenhuma espécie de aviso, abriu vagarosamente as pernas dela. Fechando os olhos, ela ansiava pelo seu toque, pela sua mão quente, pela sua boca. Antecipou até um arrepio que tomava conta de seu corpo todo e soltou um leve gemido. Mas repentinamente, numa espécie de parto às avessas, ele forçou a entrada pelo meio das pernas dela, com a cabeça nua. Em apenas um rude e impiedoso tranco ela sentiu seus os ossos se afastarem, de baixo para cima, rompendo músculos, tendões, nervos, tudo que existia pela frente. Um urro interminável saiu de sua garganta e se prolongou  até que veio o alívio. E veio o silêncio. Ela abriu os olhos com medo do que pudesse ver e percebeu que ele tinha desaparecido. Passaram-se alguns segundos antes que ela notasse que um milagre havia acontecido. Eles estavam dividindo o mesmo corpo. Era capaz de vê-lo sorrindo e, apavorada, conseguia ver a si mesma com os olhos dele. Era como uma figura meio fantasmagórica, quase como uma transparência que brincando, ia e voltava passando através dela, compartilhando o mesmo espaço. Podia sentir seu corpo sendo tocado, acariciado ao mesmo tempo que sorria sabendo que aquele sorriso não era o dela. Era o dele. Contra todas as leis da física. Dois em um.

 

PARÁGRAFO SOLTO 1

Tinha sede. As fusões constantes estavam roubando suas energias. A separação estava ficando mais lenta e dolorida. Cada vez mais foi ficando difícil voltar a ser só ela. Esse ir e vir estava deixando uma cicatriz interior. Mas, apesar dos perigos, estava feliz. O entorpecimento que deixava a sensação de borboletas no estômago e que se mantinha por vários dias, apagava as melhores lembranças.

Essa complicada metamorfose que fazia com que ela embarcasse numa treva sombria, quase fatal. Já era hora de aceitar a dor da separação definitiva. Quem sabe assim poderá enfrentar o sono dos séculos numa nova tentativa de reencontro. Completa. Pronta a ajeitar os sonhos.

 

 

 

PESADELO

O cheiro forte de queimado corroía suas narinas enquanto dezenas de pessoas se amontoavam pelos corredores, numa corrida pela vida. Gente se acotovelando na esperança de alcançar a escada rolante. Descendo rapidamente, sentiu o tranco quando foi empurrada e caiu. Primeiro, o clarão, em seguida mais um estrondo, depois o calor e finalmente, a dor. Seus cabelos estavam presos no final da escada rolante. O couro cabeludo era arrancado enquanto era pisoteada por gente de rosto tão conhecido.

 

 

PARÁGRAFO SOLTO 2

Tinha enlouquecido. Fazia já algum tempo e, aparentemente, ninguém havia percebido. Não que fosse uma loucura constante mas, em alguns momentos, tinha certeza de que estava louca.

Assim, quando sozinha, ria à toa. Dela mesma, daqueles que não tinham consciência de como a sanidade é fugaz e de quão tênue é a fronteira que a separa da demência. Às vezes, faltava pouco para se entregar definitivamente.

A única coisa que a mantinha essa criatura sã era a clareza com que sua mente percebia a medida de sua loucura.

Como um processo tanto destrutivo como regenerador, vivenciar esse ritual – iniciado ao saciar a fome louca, que andava meio adormecida e foi despertada em toda sua força, por alguém que se tornou um tanto quanto especial – é gerar uma energia absolutamente poderosa.

Assim,  num contato de dois desejos, sendo um o principal personagem da fantasia do outro e preenchendo lacunas, permanece eternamente, o desafio pela variedade de combinações possíveis, pelo improviso, pela tentação de desrespeitar as regras e pela imprevisibilidade dos resultados.

Fundindo e confundindo fantasia e desejo, essa euforia se transforma num quase delírio que enleva e amedronta, ameaça encantar e encanta ameaçadoramente.

Sendo quase impossível distinguir o que acontece realmente do que imaginamos, o sabor do prazer mostra-se irresistível e inesquecível.

A sedução eterniza o desejo. Permite uma espécie de mutação em que um se descobre na pele do outro. Basta uma palavra no tom correto, um olhar profundo no qual se vê a pupila do outro se dilatar ou um pensamento mesmo surrealista para que se inicie todo esse processo.

Sedução: quando o outro incorpora nosso desejo.

(todo o amor que vale a pena é obsceno. É incompreensível. Como se o amor fosse uma espécie de doença da espécie e, o melodrama seu único e seu pobre paliativo. Mas nunca a sua cura. – “Sobre Almodóvar”)

PARÁGRAFO SOLTO 3

Só perceberam que era tarde demais quando olharam para frente. O susto que levaram ao se depararem com o trem que lhes cruzava o caminho foi tão grande que fechar os olhos foi a única reação. E nesta infinita fração de segundo desejaram ter o dom de voar. E foram ouvidos pelos anjos…

Tenho certeza de todas as suas mentiras

tenho certeza que tenho que acreditar nelas

quase numa utopia de Poliana

tenho certeza da grandeza que envolve suas palavras

porque são elas que mantêm viva

e me fazem levantar da cama todos os dias.

Tenho certeza que em algum momento você vai voltar

e vai precisar de mim.

Cultivando o espírito, tento controlar a ansiedade

e ter uma paciência para mim imensurável.

Por isso quero estar viva

por isso quero estar pronta

por isso continuo viva

por isso continuo aqui.

Volta inteiro

volta pra mim.

 

A falta

O desespero

Respiração que cessa, absoluta, sem aflição

Sons, cheiros que transportam

E neles me agarro.

Querer tanto

Tanto querer

Saudades…

Dos gestos, dos restos

Saudades…

Saudades da água

Saudades do mar

Saudades não dos olhos,

Saudades do olhar…

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